Estava aqui a acabar de ver um programa e ia-me levantar
para ir tratar da roupa q apanhei á pouco… coisas normais de quem esta em casa,
no fim de semana, com tempo, desempregada e que já limpou e arrumou tudo o
resto e fez os seus 12km diários de manha…
Quando decidi, seja porque seja, ir ver o email.
Tenho varias contas de email, em breve vou deixar de ter
porque vou mudar de operador (em principio e se a falta de respeito e vergonha
da zon para com os clientes não mudar..) e andei a criar emails no Gmail… mas
adiante..
Fui, seja porque seja, consultar uma conta e li um pedaço de
vida.
Tive que parar e pensar aqui na palavra, mas aquilo que li
foi um pedaço de vida e de alma e sinto-me humilde e comovida sempre que me
chegam estes pedaços tão preciosos e importantes de tantos de vós.
Oiçam, sou tão ou menos importante do que qualquer outra
pessoa ou doente renal. Não sou medica ou especializada, hei, estudei artes,
percebo de informática e trabalhei sempre em apoio técnico na área de redes, telecomunicações
e internet. Nada do que digo é dito como especialista em qualquer coisa.
Apenas sei e falo de mim.
O meu diário existe desde 2003, antes de ser “moda e fixe”
ser blogger. Sempre usei a escrita para processar o que a vida me atira, uma
forma de diminuir o impacto, digerir as coisas e organizar mental e
emocionalmente. Claro que a digestão da minha doença foi e é um processo vasto
e longo, intenso e diferente. E o meu blog, o meu diário é também dessa forma,
um exemplo disso tudo.
Posso atestar que tudo o que aqui escrevo é real, é sentido
e é cru. Não há cá edições. Mal edito os erros de escrita rápida através do
Word e publico logo. Por isso, tenham sempre ciente de que não sou especialista
em nada, apenas em mim mesma. E por ser proteccionista e controladora no que se
refere á minha pessoa (nada relacionado com o aspecto físico como podem
confirmar, sou a pessoa menos vaidosa deste mundo…), sempre fiz questão de
aprender o máximo, questionar tudo e compreender tudo o que me faziam, o que me
acontecia e aquilo que tinha e tenho e terei que fazer. Não me recuso nem nunca
recusei a tudo o que tive que fazer, mas faço todas as perguntas, várias vezes,
a varias pessoas e só paro quando estou satisfeita. Posso dizer que a
veracidade daquilo que aqui digo fica ao critério do que me foi ensinado por médicos
e enfermeiros nos Hospitais Sta Cruz e Curry Cabral, e da minha clínica de
Dialise na Pluribus de Cascais. As duvidas a titulo mais pessoal e que muitas
vezes os especialistas não me podiam ajudar, recorri a quem passa por isso, nós
os doentes, e sabendo que a experiência de outra pessoa pode não ser a mesma
que a minha, sempre tomo o exemplo como uma dica ou alerta do que pode
acontecer.
Dito isto e não querendo que este post se torne longo e maçador,
sei que escrevo muito e não quero que durmam enquanto me lêem. : ) Ás vezes
escrevo pensando em algo de alguém que recebi no email ou mensagem, mas sem
mencionar nomes pois respeito a privacidade e honro a confiança que depositam
em mim ao partilharem pedaços tão preciosos de vocês.
Pois bem, como sabem (ou se não leram essa parte) eu não tive
um desenvolvimento da doença. Ou melhor, ela desenvolveu-se mas eu fui
ignorando. Como sempre fui muito de considerar que a parte mental supera o físico
e a minha mente comanda o meu corpo, sempre fui movida ao combustível (que
ainda hoje me move) de teimosia e persistência. “Onward and forward!” Mas sei,
por falar com outros parceiros de caminhada, seja pela net ou em pessoa, que o
processo de evolução da doença é mais devastador mentalmente do que
fisicamente.
Aperceberem-se de que estão a ser diagnosticados por algo
que é crónico. Muitas vezes na sua maioria, em jovens ou pessoas ainda novas, é
brutal. Ser-nos dito (aqui enquadro-me) que os nossos planos, os nossos sonhos
e a nossa data de validade pode estar mais perto ou com um adesivo visível.. destrói.
Aqui! (apontei para a cabeça e coração :) vá riam-se uma beca aqui da palhaça..
)
Nunca cai em depressão mas não censuro e compreendo quem
cai. Apoio quem, com custo e esforço, tenta sair da mesma, tento ajudar quem
ainda não se encontra nessa fase, e sou a cheerleader de qualquer um que tenha
conseguido ou o esteja a fazer. Eu nunca por lá passei. Sei o que é sentir que
viver não vale a pena, que nunca cá devia de andar, porque raio me aconteceu a
mim, não é justo, porquê eu? E muitos mais. Mas permito-me uns 2 minutos disto
e siga. Sei que se parar e ficar nesse estado de espírito, é como se fosse
sugada por um buraco e para de lá sair.. vai ser o cabo de obras.
Mas como dizia, a evolução da doença. Todo o processo de investigação
e a falta de uma resposta final, aquela sensação de manter alguma esperança de
que o diagnostico não seja este ou de que um milagre aconteça.. é avassalador.
Sei de pessoas que recuperam. Esses são doentes renais agudos. Os crónicos,
nós, temos uma doença que irá seguir o seu curso, não há tratamento. Podem
controlar a distancia até á diálise com controlo da alimentação, medicação (que
terá um efeito apenas ate certo ponto e depende do caso de cada pessoa) e pouco
mais. Mas chegando ao ponto de diálise, só o transplante. Claro que o
transplante é possível e deve ser feito se possível antes do ponto de diálise chegar.
Mas, e não desejando a NINGUÉM, mas NINGUÉM MESMO, que passe
pela diálise, seja ela peritoneal ou hemodiálise.. é algo real. É algo que
mesmo um transplante pode acabar por vos colocar naquela máquina. Não sei como
dizer isto pois custa-me que quem me leia sofra ao ler. Mas a diálise é suportável.
Sei que depende da dor de cada um e é um pesadelo, mas sabem que mais, vivemos
em Portugal. Ok, vamos falar mal de tudo e todos, mas em Portugal meus anjos,
juro, somos abençoados a nível da doença renal.
Temos dos melhores enfermeiros de diálise. Temos
nefrologistas incríveis. Graças a APIR e a muitos que deram o seu tempo, a sua
energia e a sua força pelos renais, a nossa doença é das que mais direitos e
ajudas e apoios teem em relação a muitas outras que são também crónicas. Somos
abençoados nesse aspecto pois há países onde isso não acontece.
Aquela máquina assusta. O pensamento de termos a nossa liberdade
de escolha e opções cortada é horrível. Pessoalmente durante os anos de diálise,
mantive-me a trabalhar: num dia diálise, no outro work, e repete… Só tinha dias
“livres” quando estava de férias e nesse aspecto, em 7 dias de férias tinha
direito a 3 :) bom né?... :/
A diálise rouba-nos energia. Até o corpo e a mente se
habituarem, aquelas 4h são devastadoras. Há quem passe bem, outros passam muito
mal, quebras de tensão, vómitos, dores, cansaço, sei lá. Mas também há quem
durma, nem dê conta pois o seu organismo assimila bem a reacção do sangue ao
sair e ter o tratamento pela maquina e ser reinfundido. Há pessoas que, tendo
mau controlo do que comem (cuidado com a ingestão de líquidos, alimentos
carregados de potássio ou abuso nos alimentos com fósforo, doces, salgados, sódio
etc.. ) sofrem ainda mais. Na diálise (e aqui falo apenas daquela que eu fiz, hemodiálise)
tiramos o peso que acumulamos ente sessões. Esse peso é considerado tudo o que
de liquido (lembra-te que todo os alimentos contem agua que quando desconstruído
no nosso organismo, separa o sólido do liquido) absorvemos entre sessões. É
considerado um peso seco, que vai sendo confirmado de tempo a tempo porque
todos sabemos que tanto ganhamos, como perdemos peso (normalmente perde-se… a insuficiência
renal e a diálise e a mudança de paladar, o cansaço, normalmente perde-se..)
ele vai sendo visto e revisto por cada medico que nos assiste em cada sessão.
Temos um controlo e um acesso protegido por enfermeiros, médicos,
assistentes sociais, administrativas e ate as auxiliares, constante. Pensem
nisso, é um percurso assustador e doloroso, mas somos (e aqui fico de olhos
molhados pois lembro-me o quanto devo ao suporte e carinho e apoio de todos e
ainda dos meus colegas de turno, que mesmo transplantada, continuam a ser os
meus colegas de turno, mesmo sendo muito mais velhos que eu, não consigo
explicar-vos o sentimento de família e carinho e unidade que ali se cria)
abençoados pois não o fazemos sozinhos. É…
olhem.. não sei explicar. Incrível.
Por isso, e porque já nem consigo organizar mentalmente o
que queria dizer.. nessa altura escura que o desconhecer de um possível futuro
mais livre, uma altura em que perdemos a esperança de conseguir um dia sonhar e
seguir os nossos sonhos.. não se deixem toldar pelo medo. Aproveitem o incrível
privilégio de termos excelentes profissionais. Perguntem e voltem a perguntar.
Façam como eu, perguntem a mais do que uma pessoa a mesma coisa, confirmem ate
se sentirem satisfeitos e cumpram, sigam o que vos dizem. A alimentação pode
ser diferente para pessoas com a mesma doença. Na clínica tínhamos pessoas que
comiam fruta e legumes sem controlo e o potássio mal subia. Havia quem bebia líquidos
á vontade e não levava peso, mas tinha os restantes valores alterados, dai
precisarem da diálise. Havia quem tinha dores e outros nunca na vida tinham
sentido qualquer dor ou incomodo renal. Havia quem tinha diabetes ou problemas cardíacos
ou de coagulação, ou cataratas, cegos.. (alguns tinham tido consequência na
doença renal, outros tinham chegado a doença renal por causa destas anteriores
patologias e alguns nem tinha nenhuma associação entre estas patologias e a
doença renal) Havia quem tivesse acessos por cateter, próteses e fístulas. Uns
sofriam, outros mal sentiam a diálise e dormiam. Sem contar que há quem faça diálise
em casa (diálise peritoneal, um processo que nunca quis fazer mas que sei que há
quem faça e prefira e quem tinha feito e não se tenha dado bem.. depende de
pessoa para pessoa)
Ou seja, não observem o exemplo de outro como sendo o vosso.
Façam os exames, façam as análises, exijam uma resposta
concreta ao vosso caso e peçam o mais direito possível um plano de percurso.
“Vai-se tentar retardar?” “ É agudo ou crónico?” “Tem que se fazer já diálise?”
“Posso inscrever-me já na lista de transplante dador cadáver (ou se tiverem e aceitarem
quem vos dê um rim se forem compatíveis)?” “ Em que ponto esta a minha doença?”
“ Como é que aqui cheguei?” “Contribui para aqui estar?” “É genético?” “Como se
processa agora?” “O que posso e vamos fazer agora?”
O desconhecer é o pior de tudo. Não saber, não ter consciência,
é como atirarem-nos em mar alto, apenas com uma bóia que diga diálise. Acho que
muitos sentem-se assim, mas não é. Esta doença é como dizerem-nos “vais ter que
atravessar este oceano, mas podes fazer uso de isto, isto isto isto ou isto” e
a escolha pode e deverá ser sempre vossa, mas estando informados e conscientes
de que aquele “oceano” tem que ser atravessado, e não vai ser fácil mas que é possível
e , hei!!, estamos aqui deste lado a torcer por vocês. Pessoalmente serei a
mais histérica e aos saltos com uns pompons azuis a dar todo o incentivo e
palavra amiga ou companhia silenciosa que precisem.
Oiçam, ouve, não estas sozinho. Leste? Volta a ler. Agora repete em voz alta.
Prometo.
Por isso segue o processo de investigação e descoberta ao máximo
sobre a tua doença, e cria um plano com os maravilhosos especialistas em
nefrologia que nos rodeiam. Não tenhas medo de colocar perguntas. E se vires
que não confias no que te dizem, ou se te calhou um medico com quem não sentes
empatia nem ele contigo, muda de medico. É um direito que assiste a qualquer um
de nós. Mentaliza-te que haverão aspectos nesse plano que serão difíceis mas
respira fundo, foca um ponto á distancia e continua a avançar.
Prometo. De coração! Prometo que esse túnel, esse oceano, é atravessável.
E que mesmo quando sentires que a corrente te arrasta para trás, calma..
respira fundo, reúne calma, controlo e segue.
O teu, o nosso futuro, não tem que ser escuro só porque
temos agora uma nuvem negra a tapar tudo. Essa nuvem vai dissipar-se. E no que
puder ajudar, nem que seja a escrever treta que ninguém entende ou percebe ou
quer saber… hei… aqui estarei. Tipo farol tolo e descontrolado a girar e a
fazer barulho com pompons azuis nas mãos e aos saltinhos.
: ) se esta imagem não te trouxer um sorriso neste momento,
mordo o meu gato ;) e a/o culpada/o serás tu : ) achas bem!? :p
Um abraço apertado e aproveita os momentos bons,
valoriza-os, pois apenas esses merecem ser recordados.
Um texto comovente.
ResponderEliminarUm sopro de energia, carinho e esperança.
Fiquei emocionada.
E um gato gordo...de mimo ;) (aposto!)
Muito obrigada!!
Olá S.M :)
ResponderEliminarÁs vezes assusta-me a visão negra que alguns doentes em diálise pintam. E ao mesmo tempo custa-me defender o lado menos negativo porque há sempre quem venha e diga que devo ter tido muita sorte e sei lá o que é sofrer... Como não costumo medir.. coff coff ;).. e acho que o sofrimento e dôr de cada um não deve ser comparado, ignoro essas pessoas. Mas a realidade é que perdi e ganhei muito com o período da diálise. Perdi de mim, mas prefiro pensar que cresci e todo o crescimento implica perda e mudança, não é?
Pensa ou pensem :) sempre que a diálise, aquela maquina não é o diabo. Pelo contrário, é o que nos permite, quando chegado o momento de já não lhe podermos fugir, esperar vivos pelo tão ansiado transplante, que também ele tem sempre um prazo de validade que nunca sabemos.
Mas com esta doença, aprendi a que não ganhamos nada mesmo a tentar prever o futuro ou massacrar o dia de hoje só porque não podemos prever a 100% eternamente o nosso futuro. E a realidade é que tanto podemos prever quanto qualquer outra pessoa. Nós temos este "presente" e os restantes sabem lá se podem sair á rua e ter um acidente e pufff... não é? ( bate na madeira! )
Vejam a maquina da diálise como a boia que vos mantém a flutuar até chegarem á outra margem. E nunca permitam que vos tire a essência, aceitem as mudanças sem perder aquilo que vos torna vocês, aquela chama especial :)
E chorem, gritem, riam, fiquem calados ou falem até ficarem sem voz. Mas não deixem de viver aquilo que conseguirem e puderem. Não coloquem a vida em standbye... eu fiz isso no ano que esperava o processo de doação em vida com o meu marido e é o que mais lamento.
Um beijao!
PS: hiper mega fofinho (gordo mesmo!!) e hiper mimado :)