No outro dia andei a visitar certos posts que fiz assim que
fiquei doente e fixei especialmente o primeiro, escrito ainda no hospital, 8
dias depois de diagnosticada.
A minha vida como uma doente renal crónica
8 dias depois de ter sobrevivido e ainda a tentar entender, colocar tudo em ordem e perceber como seria a minha vida de agora em diante. Parece que foi outra pessoa a escrever aquilo. Tanto porque a realidade foi dura e diferente, como os sentimentos e formas de reagir daquela Tania são bastante distantes desta que vos escreve agora.
Cresci, aprendi, perdi, recuperei, sofri, evolui. Mantive-me
como consegui. Sobrevivi. Durante muitos anos foi isso que fiz, sobrevivi dia a
dia, as diálises, cada barreira e cada novo problema ou obstáculo. Mesmo com
medo, sempre em frente. Porque nunca considerei a hipótese de parar ou
desistir, por mais triste, irritada, frustrada, cansada, desiludida… mantive-me
sempre em movimento. Andar na ânsia de ultrapassar as dificuldades, de
percorrer a pior parte do percurso e quem sabe, sair ilesa e mais forte do
outro lado de lá. Não aceitei nem aceito que a depressão alguma vez me consuma
ou que as dificuldades se tornem num manto.
E aqui estou. A fazer quase 9 meses de algo que considerei
um dia impossível de acontecer : o transplante.
Não me arrependo de nada a não ser de não ter tido mais
cuidado antes. Ainda penso que quem sabe poderia nunca aqui ter chegado. Mas
depois a pessoa que sou hoje pensa “e quem seria? Que outras dificuldades
poderiam ter surgido? Trocar um problema pensando que nenhum outro surgiria?” A
vida é feita de dificuldades que, ou enfrentamos e lidamos com o espírito e
mente claro e pronto a ultrapassar ou resolver, ou desistimos á partida e
assumimos a derrota e o sofrimento como a única existência possível.
Tive uma vida de treta.. muito nunca aqui escrevi e quem
sabe nunca o escreva. A minha doença foi mais um obstáculo, um maior e mais palpável
pois se tornou cruelmente parte de mim para sempre e vive e existe
recordando-me disso (mesmo após o transplante), mas não foi mais do que um
pedaço da minha lista de dificuldades. E não quero com isso dizer que sou uma
coitadinha e pedir cá pena ou atenção por isso. Nem de longe nem de perto.
A minha vida fez-me quem sou e eu gosto de quem sou. Tenho
defeitos, tenho qualidades, sou imperfeita como todos. Ao longo de tudo espero
poder dizer que aprendi sempre. Sempre retirei uma lição de forma a não repetir
o mesmo percurso ou erro duas vezes. Por isso, valorizo os momentos maus pois é
apartir deles que moldo a minha fibra e dou o valor real aos momentos bons.
Por isso, aquela pessoa assustada, magoada e triste .. sou e
serei sempre eu. E essa pessoa aprendeu e pegou nas dificuldades e nos
sofrimentos e ao invés de se deixar despedaçar por eles, aprendi o que consegui
e … e aqui estou. E daqui quem sabe para onde o futuro me levará. Porque
aconteça o que acontecer, eu gosto de viver. Venha o que vier, eu gosto de aqui
estar e poder ou decidir fazer tudo o que um ser vivo é capaz.
Não tenho crenças, fé ou credos. Não sei se há outra vida,
outras realidades, outros tempos, outros mundos… mas sei que enquanto estiver
nesta, quero cá estar e aproveitar ao máximo.
Por isso posso dizer que de doente renal em hemodiálise, escolho
ser transplanta renal e não doente renal transplantada. Ciente de que esta
doença nunca desaparecerá, que serei sempre doente renal crónica, que o transplante pode não ser eterno, que os
cuidados a ter são ainda mais importantes e que o futuro nem nas estrelas esta
escrito.. eu escolho o que sou e como deixo que isso me afecte.
E hoje, fazendo sol ou chovendo, por mais raiva e inveja que
isso deixe em quem me deseja mal ou odeia á distancia, vou vivendo cada dia,
aproveitando os bons momentos, aprendendo com os maus e no meio das minhas
escolhas: vou sendo feliz.
Quando posso, como posso e com quem posso e amo.
E isso, nem doença nem nada mudará.
Nota para ti que me lês:
Por favor, sei que muitos não vêem a vida desta forma e
sofrem outra forma ou sentem de outra forma as coisas e não quero julgar ou dar
opinião.. queria sim que tentassem não deixar que o pior que vos aconteça vos
marque, aprendam e valorizem sempre os pequenos ou grandes momentos positivos. Se
o mau existe, é porque o bom também lá está.
Tenho pena que não partilhem publicamente o que sentem,
porque acredito que se o fizessem, talvez não vos ficasse tão marcado
internamente. Muitas vezes o que guardamos causa mais mal do que bem, e falando
por mim, partilhar e saber que há do lado de lá alguém que passa o mesmo ou alguém
a quem aquilo que digo ajuda de alguma forma… ajuda-me. É por exemplo uma das
coisas positivas que valorizo. Tu, ai calado a ler, quem sabe a sofrer, triste,
com medo ou duvidas, valorizo-te e se puder ajudar a que esse sofrimento seja
menor, obrigada : )