sábado, 31 de maio de 2014

A minha visão enquanto transplantada renal

No outro dia andei a visitar certos posts que fiz assim que fiquei doente e fixei especialmente o primeiro, escrito ainda no hospital, 8 dias depois de diagnosticada.

A minha vida como uma doente renal crónica


8 dias depois de ter sobrevivido e ainda a tentar entender, colocar tudo em ordem e perceber como seria a minha vida de agora em diante. Parece que foi outra pessoa a escrever aquilo. Tanto porque a realidade foi dura e diferente, como os sentimentos e formas de reagir daquela Tania são bastante distantes desta que vos escreve agora.

Cresci, aprendi, perdi, recuperei, sofri, evolui. Mantive-me como consegui. Sobrevivi. Durante muitos anos foi isso que fiz, sobrevivi dia a dia, as diálises, cada barreira e cada novo problema ou obstáculo. Mesmo com medo, sempre em frente. Porque nunca considerei a hipótese de parar ou desistir, por mais triste, irritada, frustrada, cansada, desiludida… mantive-me sempre em movimento. Andar na ânsia de ultrapassar as dificuldades, de percorrer a pior parte do percurso e quem sabe, sair ilesa e mais forte do outro lado de lá. Não aceitei nem aceito que a depressão alguma vez me consuma ou que as dificuldades se tornem num manto.
E aqui estou. A fazer quase 9 meses de algo que considerei um dia impossível de acontecer : o transplante.

Não me arrependo de nada a não ser de não ter tido mais cuidado antes. Ainda penso que quem sabe poderia nunca aqui ter chegado. Mas depois a pessoa que sou hoje pensa “e quem seria? Que outras dificuldades poderiam ter surgido? Trocar um problema pensando que nenhum outro surgiria?” A vida é feita de dificuldades que, ou enfrentamos e lidamos com o espírito e mente claro e pronto a ultrapassar ou resolver, ou desistimos á partida e assumimos a derrota e o sofrimento como a única existência possível.

Tive uma vida de treta.. muito nunca aqui escrevi e quem sabe nunca o escreva. A minha doença foi mais um obstáculo, um maior e mais palpável pois se tornou cruelmente parte de mim para sempre e vive e existe recordando-me disso (mesmo após o transplante), mas não foi mais do que um pedaço da minha lista de dificuldades. E não quero com isso dizer que sou uma coitadinha e pedir cá pena ou atenção por isso. Nem de longe nem de perto.


A minha vida fez-me quem sou e eu gosto de quem sou. Tenho defeitos, tenho qualidades, sou imperfeita como todos. Ao longo de tudo espero poder dizer que aprendi sempre. Sempre retirei uma lição de forma a não repetir o mesmo percurso ou erro duas vezes. Por isso, valorizo os momentos maus pois é apartir deles que moldo a minha fibra e dou o valor real aos momentos bons.  

Por isso, aquela pessoa assustada, magoada e triste .. sou e serei sempre eu. E essa pessoa aprendeu e pegou nas dificuldades e nos sofrimentos e ao invés de se deixar despedaçar por eles, aprendi o que consegui e … e aqui estou. E daqui quem sabe para onde o futuro me levará. Porque aconteça o que acontecer, eu gosto de viver. Venha o que vier, eu gosto de aqui estar e poder ou decidir fazer tudo o que um ser vivo é capaz.

Não tenho crenças, fé ou credos. Não sei se há outra vida, outras realidades, outros tempos, outros mundos… mas sei que enquanto estiver nesta, quero cá estar e aproveitar ao máximo.


Por isso posso dizer que de doente renal em hemodiálise, escolho ser transplanta renal e não doente renal transplantada. Ciente de que esta doença nunca desaparecerá, que serei sempre doente renal crónica, que o transplante pode não ser eterno, que os cuidados a ter são ainda mais importantes e que o futuro nem nas estrelas esta escrito.. eu escolho o que sou e como deixo que isso me afecte.

E hoje, fazendo sol ou chovendo, por mais raiva e inveja que isso deixe em quem me deseja mal ou odeia á distancia, vou vivendo cada dia, aproveitando os bons momentos, aprendendo com os maus e no meio das minhas escolhas:  vou sendo feliz.

Quando posso, como posso e com quem posso e amo.
E isso, nem doença nem nada mudará.


Nota para ti que me lês:

Por favor, sei que muitos não vêem a vida desta forma e sofrem outra forma ou sentem de outra forma as coisas e não quero julgar ou dar opinião.. queria sim que tentassem não deixar que o pior que vos aconteça vos marque, aprendam e valorizem sempre os pequenos ou grandes momentos positivos. Se o mau existe, é porque o bom também lá está.


Tenho pena que não partilhem publicamente o que sentem, porque acredito que se o fizessem, talvez não vos ficasse tão marcado internamente. Muitas vezes o que guardamos causa mais mal do que bem, e falando por mim, partilhar e saber que há do lado de lá alguém que passa o mesmo ou alguém a quem aquilo que digo ajuda de alguma forma… ajuda-me. É por exemplo uma das coisas positivas que valorizo. Tu, ai calado a ler, quem sabe a sofrer, triste, com medo ou duvidas, valorizo-te e se puder ajudar a que esse sofrimento seja menor, obrigada : )

3 comentários:

  1. Faltam-me as palavras para descrever o que estou pensando após ler o teu texto.
    É raro na internet não presenciarmos só gente reclamando da vida, muitas vezes, por tão pouco.
    Algumas por coisas sérias e como você mesma disse, há várias formas de reagir diante dos obstáculos, porém, também acho que dramatizar e se colocar o tempo todo na postura de vítima não ajuda.
    É lamentável ver muitas pessoas desistindo ou querendo desistir diante de algum desafio que a vida sempre nos dará. A vida não existe sem desafios. E ler sempre pensamentos de morte, de tristeza e autopiedade não é útil a ninguém, inclusive a quem escreve.
    Meus parabéns pela maturidade e pelo amor a vida que tens.
    Um abraço.

    http://umelementoneutro.blogspot.com.br

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  2. Alex, sem palavras fiquei eu pois não imaginas como é um total prazer saber que alguém está ai desse lado e que pensa ou sente como eu :)

    Compreendo o que dizes da raiz de pensamento pessimista ou derrotista que infelizmente se torna num vortice e suga não só as vitimas iniciais como continuamente os que a rodeiam. E na net notamos mais porque ao fim e ao cabo, na privacidade do isolamento, fazemos aquilo com que no nosso interior nos sentimos melhor. O problema é mesmo permitir que um momento triste passe disso. As coisas passam, só o tempo é eterno e deixar que algo do tamanho de um dedo se torne do tamanho de uma cabeça.. (lol que alegoria parva desculpa :p ) é um buraco em que é muito mais dificil sair

    Sabes, acho que chorar devia de ser tão natural e aceitavel como espirrar ou fazer xixi. Talvez se assim fosse, as pessoas nao tiriam um estigma tao negativo e nao deixariam acumular ao ponto de já terem um grau de sofrimento absurdo por nao terem ventado um pouco antes.

    Digo: sente, explode, segue. O pior é parar, a vida é um caminho continuo, good times ahead, pensamento nisso e siga ;)

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  3. Anónimo01:38

    Que tudo lhe corra pelo melhor , é uma lutadora vai correr tudo bem :)

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Obrigada :)

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